segunda-feira, 13 de abril de 2009

Não fui eu que escrevi, foi o meu eu-lírico

“Enquanto eu tiver perguntas e não houver respostas... continuarei a escrever” (Clarice Lispector)

Se expressar através da escrita é uma das formas mais difíceis em minha opinião. A escrita é mais transparente, por cada palavra ser pensada, lida e relida e as vezes excluída quando quem escreve a acha desnecessária. É exatamente isso que assusta quem escreve, a transparência de suas palavras. Ao escrever, não se usa máscaras nem escudo, pois escrever é uma maneira de falar sem ser interrompido, logo seremos mais facilmente atingidos pelas críticas. Ao manter um diário, independente do sexo ou da cidade, o “diarista” não deixa ninguém ler. Esses só são vasculhados às escondidas ou após a morte de quem os escreveu. O diário é a forma mais sincera de uma pessoa se comunicar com ela e com o mundo. Afinal a ideia é que ninguém leia o que foi escrito, pois “escrevendo eu sou capaz de expressar palavras que eu jamais deixaria fluir pelo som da minha voz” ( Mara Chan, escritora espanhola de 24 anos). Hoje temos a chamada liberdade de expressão descrita em nossa constituição. Porém houve épocas no Brasil em que não se podia escrever o que se passa entre um neurônio e outro. Chico Buarque foi ameaçado pelo Regime Militar no Brasil, esteve exilado na Itália em 1969. Nessa época teve suas canções “Apesar de você” e “Cálice’ censuradas pela ditadura brasileira. Adotou o pseudônimo de Julinho da Adelaide, com o qual compôs apenas três canções: "Milagre Brasileiro", "Acorda amor" e "Jorge Maravilha". Usava do pseudônimo para driblar a censura, então implacável ao perceber seu nome nos créditos de uma música.
Muitas vezes o poeta usa do eu-lírico que é quando os sentimentos expressados não foram sentidos, ou sentidos com menos intensidade. O eu-lírico é a voz que fala no poema e nem sempre corresponde à do autor. O eu-lírico pode ou não expressar as vivências efetivas do poeta, mas a validade estética do texto independe da sinceridade do mesmo.A dúvida que cai é se muitos escritores não usam do eu-lírico para camuflarem a realidade. As palavras ditas em sua essência amedrontam os que escrevem e os que leem..
Fernando Pessoa tinha três heterônimos, personagens por ele criado, que escreviam de formas diferenciadas. Porém Fernando Pessoa afirmou discordar dos seus personagens. "Não há que buscar em qualquer deles idéias ou sentimentos meus, pois que muitos deles exprimem idéias que não aceito, sentimentos que nunca tive", afirmou o poeta a respeito de seus heterônimos.
Porque escrever algo que não se sente? E se não se sente há necessidade de deixar isso claro? Escrever o que realmente passa em nossas mentes é a tarefa mais difícil. Penso por isso que “o poeta é um fingidor que finge completamente e chega a fingir que é dor a dor que deveras sentes”, (Fernando Pessoa).
Carlos Drummond de Andrade começou a escrever poemas eróticos no fim de sua carreia Em 1992 publicou o livro de Poemas Pornográficos expondo um lado radical do poeta. O mais ousado foi o livro “O Amor Natural”, que revelou as poesias eróticas/pornográficas que Drummond manteve ocultas. Poucos amigos seus as conheciam e o poeta só aceitou que elas fossem publicadas após a sua morte. Mário de Andrade costumava dizer que a culpa destes poemas eróticos era a timidez de Drummond. Mário também falou sobre esse dilema que é escrever. “Escrevo sem pensar tudo o que o meu inconsciente grita. Penso depois: não só para corrigir, mas para justificar o que escrevi”.
Acredito que a mudança de comportamento vivenciada na década de 50 por Drummond, somada ao avanço de sua idade seja o motivo da liberação sexual em seus poemas, embora tons eróticos podem ser percebidos levemente em suas obras desde da década de 20 quando mostrar um tornozelo era erótico. “O bonde passa cheio de pernas: pernas brancas pretas amarelas. Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração. Porém meus olhos não perguntam nada”.
Como já foi dito em outra resenha, Clarice descrevia sua alma, mas em entrevistas evita falar de si mesma. Clarice perante as câmeras era tímida, em seus textos falava sem pudor. “Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa. Não altera em nada... Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A gente está querendo desabrochar de um modo ou de outro”. Me retifico quando disse que escrever é uma tarefa árdua. Escrever não é difícil, o difícil é mostrar as pessoas o que você escreveu, pois “escrever é o verdadeiro prazer; ser lido é um prazer superficial”. Virginia Woolf.

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